sexta-feira, 7 de maio de 2010

Terra de Ninguém

Uma menina do sorriso perolado perguntou ao menino de olhar oco
"Aonde você mora, amigo?"
O pequeno necessitado contemplou-a para desferir palavras, em tom rouco
"À soleira da sua porta..."

A situação é extrema. Não há leis que se apliquem à semi-vida dessas pessoas. De quem estou falando? Dos moradores de rua! Das pessoas que dormem sobre um papelão na porta do seu condomínio ou casa, ou daquele senhor bêbado e barbudo cujas palavras não possuem nexo, cujas palavras são proliferadas ao nada...

Coloquei-me metaforicamente no lugar dessas pobres pessoas necessitadas, e conclui... Eu sou como uma dessas pessoas! Sou um nômade como eles, pois nunca terei moradia fixa durante toda a minha vida. A minha rua é esse mundo, no qual não consigo me situar. A minha casa é aquele lugar seguro, para onde todos vão e de onde todos vêm. Eu vivo em lugar nenhum, mas gostaria de viver nas nuvens, a terra de ninguém! Eu levaria comigo todas as pessoas desorientadas para o reino onde não há posses, apenas a paz dormente ao lado. Vocês me fariam companhia na terra de ninguém?

sábado, 1 de maio de 2010

Carpe Diem

                                            Aproveite o momento.


De olhos castanhos voltados ao infinito, contemplava um céu retalhado entre o azul e o branco afável das nuvens de algodão, que trafegam livres e sem rumo, sopradas e varridas pelos ventos do sul. Os fios negros do seu cabelo dançam, acompanhando o balançar da relva desses campos imaginários, aonde sentou-se ao lado de uma amiga e o silêncio cultivou durante bom tempo.
_ Eu não quero mais estar na cidade... Eu quero fugir de lá...
A castanha seguiu os olhos do amigo com seus próprios e acabou por prendê-los ao mesmo céu, deixando-se assim vagar pelo mundo atrás das nuvens. Embora ele tenha concluído a frase, ela manteve os lábios selados, a aguardar apenas que o garoto continuasse a relatar-lhe os pensamentos.
O verde dos campos escurecia conforme a relva inclinava-se com os ventos. Os campos dançavam em sincronia, produzindo um aconchegante som que embalou ao coração perturbadamente acelerado de um mero - somente mais um - jovem perdido nas mentiras da cidade. E, manso, ele declarou com sua voz nem grave nem aguda, simplesmente doce.
_ Gostaria eu de viver em um lugar calmo, tranquilo...
Abraçou-se aos joelhos, procurando por abrigo diante do conflito que travavam as suas emoções.
Respirou fundo o ar dos campos e por fim, um sorriso pequeno coloriu-lhe os lábios. Um lugar calmo, tranquilo... Aquele era um lugar calmo e tranquilo. Desceu os olhos até a face perturbada a sua frente e repousou uma mão sobre seu ombro direito, como se além de apoiá-lo, o chamasse para levantar a visão e enxergar o que havia em volta.
_ Olhe onde estamos. É aqui que quer viver? - Indagou a jovem, em tom sereno, sem deslocar os olhos para outra direção.
A descoberta percorreu-lhe o corpo, em uma euforia que agitava-lhe o coração. Foi quando ergueu seu olhar melancólico e baixo para o lugar que os rodeavam. E esboçou um sorriso tímido, com as sobrancelhas elevadas acima dos seus enormes olhos. Como era belo este mundo...
_ Talvez... - Admitiu em um sussurro audível. - Se eu puder contemplar um único pôr do sol decente e chorar diante da paisagem, eu estarei bem... Porque eu não sei mais... Qual o meu lugar, ao certo...
Baixou o olhar mais uma vez, afundando em seus mais obscuros pensamentos. Sua expressão enigmática e séria bloqueava qualquer leitura de seus sentimentos.
_ E se eu estiver sonhando agora?
Pôde sentir através da pele, que o garoto percebera onde estavam. Aquilo acendeu-lhe a acalentadora esperança de fazê-lo ver o lado bom do mundo terrível em que viviam, por mais que parecesse não haver lado bom algum. Escutou-o silenciosamente, sem interromper-lhe uma única vez até escutar a pergunta que o afligia o coração. Sorriu mais uma vez, e respondeu num tom de conforto:
_ Aproveite esse sonho o máximo que puder porque você não sabe o que vai ter se acordar.